sábado, 5 de setembro de 2009

The Black Crowes - Lenha Para Queimar Em Pleno 2009

Quem disse que só de velharia vive o mundo da boa música? Não, ainda tem muita coisa boa sendo produzida na atualidade, apesar da mídia não dar o mínimo destaque para bandas como The Answer, Rose Hill Drive, etc.


Entretanto, o Black Crowes já foi um dos grandes destaques da música mundial, quando do lançamento de seus álbuns mais expressivos no começo dos anos 90. O mundo inteiro sabia cantar "Remedy", "Wiser Time" e "Sometimes Salvation". O problema todo veio com a bizarrice pop do meio dos anos 90 que espantou de vez qualquer coisa boa das rádios e tv's. Mas isso é assunto para outra hora.



Após o lançamento do excelente "Warpaint" em 2008, uma onda de desconfiança tomou conta dos fãs dos Corvos: um novo álbum já seria lançado um ano depois. Daria tempo de escrever canções consistentes com os do álbum anterior, que sucedera "Lions", lançado sete anos antes?


O resultado é o álbum "Before the Frost..." (que conta com uma segunda parte, "...Until the Freeze", disponível para download por quem levar a bolacha original). Um som mais sincero, mais rural, e gravado 100% ao vivo!

Um belo trabalho de produção, mixagem e masterização retirou os ruídos, intensificou os instrumentos, mas manteve a energia do palco da banda. É de se tirar o chapéu que, em plenos dias de pro-tools e outras parafernálias, que permitem qualquer taquara rachada a gravar um disco, um grupo tenha a coragem de lançar um material inédito em gravações "on stage".


Todas as canções são guiadas por melodias mais simples do vocal de Chris Robinson. Aliás, pode-se dizer mesmo que seu jeito de cantar mudou muito dos primeiros álbuns para os dias atuais. Sabe-se lá o motivo (bebedeira, drogas, ou idade mesmo), mas sua voz está mais grave, mas com um timbre muito mais acentuado, deixando todo o álbum com sua marca.

Já seu irmão, Rich Robinson, lidera o trabalho das guitarras de forma impecável, sendo também compositor da maioria das canções. É clara a influência de The Faces e bandas do gênero em seu método de criação. Vale destacar o ponto alto de sua participação na sétima faixa do álbum, "What is home": uma viagem folk, mistura de Nick Drake com Led Zeppelin, em que o próprio guitarrista comanda os vocais, acompanhado de violas e guitarras naturebas.


Falando em guitarras, Luther Dickinson, que assumiu a responsa de substituir o idolatrado Marc Ford, mostra novamente seu poder de fogo com slides precisos e exuberantes, sendo definitivamente um grande nome na guitarra sulista atual. Na primeira faixa, "Good Morning Captain", ele já mostra toda sua técnica, enquanto o rock n' roll come solto. Em "Been a Long Time (Waiting on Love)" a banda parece fazer referência a eles mesmos, numa ótima canção, mas parecida com algo que já tinham feito no passado. A quebradeira em estilo jam session dá as caras pela primeira vez, e se torna uma constante por toda a gravação. Mérito para o consagrado
batera Steve Gorman, que toca com toda verocidade e criatividade necessárias para o trabalho.


O outro componente da cozinha, Sven Pipien, criou linhas de baixo fantásticas, não só completando as composições, mas dando uma tônica interessante em faixas como "Apaloosa" e na disco-hippie "I Ain't Hiding". Essa última faixa é uma referência explícita ao trabalho solo de Rod Stewart, sendo controversa no gosto dos fãs. Particularmente, acho uma das melhores do álbum.


O disco segue com mais Black Crowes em seu estado puro: muita guitarra, vocais cheios de emoção e arranjos charmosos. O tecladista Adam MacDougall completa o time com melodias interessantes, em destaque na faixa "And the Band Played On", guiada pelo seu pianão.


"Before the Frost..." é um álbum completo, relaxante, divertido. Totalmente embebido em bandas como The Byrds (fase Sweetheart of the Rodeo) e The Faces, mas sem deixar as características do grupo fora da evidência. Pode não ser um novo grande clássico como alguns álbuns anteriores, mas mostra uma banda afiada, pronta para fazer rock n' roll de qualidade sem se preocupar com modismos e modernices que andam sobrando nesse ano de 2009. Parabéns ao Black Crowes, e que apareçam aqui em terras brazucas nessa turnê!


1. Good Morning Captain

2. Been a Long Time (Waiting on Love)

3. Apaloosa

4. A Train Still Makes a Lonely Sound

5. I Ain't Hiding

6. Kept My Soul

7. What is Home

8. Houston Don't Dream About Home

9. Make Glad

10. And The Band Played On

11. Last Place That Love Lives

Link para o álbum

domingo, 26 de abril de 2009

O SOM NOSSO DE CADA DIA - A pérola brazuca!



"Sempre muito Snegs de Biufrais..." O que isso significa eu não sei, mas é exatamente como qualquer um pretende se sentir após ser atingido pelo turbilhão sonoro da banda que, para mim, é a melhor do rock progressivo nacional: o Som Nosso de Cada Dia.



Considerados como os precursores do estilo no Brasil, o Som Nosso foi formado no começo dos anos 70, atendendo pelo nome de Cabala. Bem antes do surgimento dos Secos e Molhados de Ney Matogrosso, e de todo o bafafá que envolve até as máscaras do KISS, o Cabala adotava um visual teatral, com direito a rostos pintados e tudo mais.

Posteriormente, alteraram o nome da banda e concentraram-se mais na elaborada sonoridade que seria a principal característica do trio: um progressivão daqueles, estilo Emerson Lake & Palmer, misturado com música regional brasileira, um toque de Clube da Esquina e até pitadas de música latina. Isso tudo pode ser ouvido no classudo álbum de estréia da banda, intitulado de "Snegs".

A banda era formada por Pedrinho Batera nas baquetas e vocais, Pedro Baldanza, o Pedrão, no baixo, violão e vocal e pelo virtuosíssimo Manito (ex-Incríveis) nos teclados, piano, flauta, sax, violino e qualquer outra coisa que fazia barulho. Comentar as performances individuais de cada músico neste disco é perda de tempo. Só ouvindo para acreditar que tudo isto estava sendo feito aqui no nosso quintal, sem investimentos e sem produções rebuscadas.

A faixa de abertura, "Sinal da Paranóia" é o cartão de visitas perfeito para aquele que "busca a essência" do rock nacional. Num ritmo cadenciado, a psicodelia transborda em meio a variações melódicas intensificadas pelos vocais certeiros de Pedrinho e Pedrão. Este último dita o ritmo na surpreendente sequência, "Bicho do Mato". Canção que começa simples, em ritmo de puro rock n' roll, com letras que incomodam qualquer engravatado submerso no mar de concreto das grandes cidades, antes de embarcar em mais uma viagem sonora embalada pelo Hammond de Manito.

Comentar as letras de "Snegs" é um caso a parte. O letrista da banda era o poeta Paulinho Mastrote Machado, que acabou sendo obrigado a assinar as composições sob o pseudônimo de "Capitão Foguete", uma vez que trabalhava em uma certa editora de grande porte. Capitães à parte, este que escreve é fã incondicional do trabalho feito por Paulinho em todo o álbum: orações desestruturadas, conteúdo filosófico, reflexivo, além de ser sempre um tapa na cara da sociedade e do Estado àquela época. Acho que até hoje não encontrei letras melhores na história da música brasileira, mesmo sabendo que tal afirmação me custará algumas pedradas na testa.

A canção que leva o nome da banda é marcada pelas vocalizações inacreditáveis de Pedrinho. Aliás, que voz tinha esse cara que infelizmente nos deixou em 1994. Alice Cooper, para quem a banda abriu os shows de sua turnê tupiniquim, deve ter ficado embasbacado com a habilidade do brasileiro que tocava bateria no mais alto nível, em tempos repicados e compassos pouco convencionais, ao mesmo tempo em que se soltava agudos com toda a emoção que nenhum gringo jamais terá.

"Snegs de Biufrais" é, digamos, a balada da bolacha. Suavidade de dar inveja, num arranjo leve e polido. A poesia casa perfeitamente com a estrutura melódica, causando uma peculiar identificação no ouvinte com os dizeres: "Eu só quero beber a vida num gole só, ainda que o gole me custe a vida..." Canção para fazer qualquer um engasgar.

Mas quem não se engasgou de jeito nenhum foi Manito, que em "Massavilha" desce o porrete no Moog, provando que Keith Emerson ainda não havia feito tudo em matéria de teclado. O andamento hipnótico só é reduzido para, novamente, os exímios vocais cantaram na praça de guerra, com o contra-ataque de lições cabeça e paz-e-amor, ante a violência da repressão.

A espacial "Dirección de Aquarius", cantada em espanhol, tem a participação de Marcinha nos vocais, e é uma boa descansada para o ato final, "A Outra Face", que para este blogueiro é a melhor do disco. Um andamento quase hard, num Hammond grudado de Manito, bateria bem quebrada e baixo pulsante. Pedrinho grita tudo que pode e mais um pouco. De tirar o fôlego.

Após "Snegs", Manito foi para os Mutantes, e a banda teve sua formação alterada diversas vezes, lançando mais alguns bons álbuns, mas nada que superasse este discaço. Atualmente, mesmo com a morte de Pedrinho, a banda se reuniu para algumas apresentações e pretende lançar canções inéditas. "É preciso olhar pro infinito."

1. Sinal da Paranóia

2. Bicho do Mato

3. O Som Nosso de Cada Dia

4. Snegs de Biufrais

5. Massavilha

6. Dirección de Aquarius

7. A Outra Face

8. O Guarani*

*Esta é uma Faixa Bônus, readaptação da obra de Carlos Gomes, gravada em 1993 para o lançamento de "Snegs" em formato CD. Infelizmente, o som do teclado de Manito deixou a desejar, mas é uma interessante releitura.

Link para o álbum