Considerados como os precursores do estilo no Brasil, o Som Nosso foi formado no começo dos anos 70, atendendo pelo nome de Cabala. Bem antes do surgimento dos Secos e Molhados de Ney Matogrosso, e de todo o bafafá que envolve até as máscaras do KISS, o Cabala adotava um visual teatral, com direito a rostos pintados e tudo mais.
Posteriormente, alteraram o nome da banda e concentraram-se mais na elaborada sonoridade que seria a principal característica do trio: um progressivão daqueles, estilo Emerson Lake & Palmer, misturado com música regional brasileira, um toque de Clube da Esquina e até pitadas de música latina. Isso tudo pode ser ouvido no classudo álbum de estréia da banda, intitulado de "Snegs".
A banda era formada por Pedrinho Batera nas baquetas e vocais, Pedro Baldanza, o Pedrão, no baixo, violão e vocal e pelo virtuosíssimo Manito (ex-Incríveis) nos teclados, piano, flauta, sax, violino e qualquer outra coisa que fazia barulho. Comentar as performances individuais de cada músico neste disco é perda de tempo. Só ouvindo para acreditar que tudo isto estava sendo feito aqui no nosso quintal, sem investimentos e sem produções rebuscadas.
A faixa de abertura, "Sinal da Paranóia" é o cartão de visitas perfeito para aquele que "busca a essência" do rock nacional. Num ritmo cadenciado, a psicodelia transborda em meio a variações melódicas intensificadas pelos vocais certeiros de Pedrinho e Pedrão. Este último dita o ritmo na surpreendente sequência, "Bicho do Mato". Canção que começa simples, em ritmo de puro rock n' roll, com letras que incomodam qualquer engravatado submerso no mar de concreto das grandes cidades, antes de embarcar em mais uma viagem sonora embalada pelo Hammond de Manito.
Comentar as letras de "Snegs" é um caso a parte. O letrista da banda era o poeta Paulinho Mastrote Machado, que acabou sendo obrigado a assinar as composições sob o pseudônimo de "Capitão Foguete", uma vez que trabalhava em uma certa editora de grande porte. Capitães à parte, este que escreve é fã incondicional do trabalho feito por Paulinho em todo o álbum: orações desestruturadas, conteúdo filosófico, reflexivo, além de ser sempre um tapa na cara da sociedade e do Estado àquela época. Acho que até hoje não encontrei letras melhores na história da música brasileira, mesmo sabendo que tal afirmação me custará algumas pedradas na testa.
A canção que leva o nome da banda é marcada pelas vocalizações inacreditáveis de Pedrinho. Aliás, que voz tinha esse cara que infelizmente nos deixou em 1994. Alice Cooper, para quem a banda abriu os shows de sua turnê tupiniquim, deve ter ficado embasbacado com a habilidade do brasileiro que tocava bateria no mais alto nível, em tempos repicados e compassos pouco convencionais, ao mesmo tempo em que se soltava agudos com toda a emoção que nenhum gringo jamais terá.
"Snegs de Biufrais" é, digamos, a balada da bolacha. Suavidade de dar inveja, num arranjo leve e polido. A poesia casa perfeitamente com a estrutura melódica, causando uma peculiar identificação no ouvinte com os dizeres: "Eu só quero beber a vida num gole só, ainda que o gole me custe a vida..." Canção para fazer qualquer um engasgar.
Mas quem não se engasgou de jeito nenhum foi Manito, que em "Massavilha" desce o porrete no Moog, provando que Keith Emerson ainda não havia feito tudo em matéria de teclado. O andamento hipnótico só é reduzido para, novamente, os exímios vocais cantaram na praça de guerra, com o contra-ataque de lições cabeça e paz-e-amor, ante a violência da repressão.
A espacial "Dirección de Aquarius", cantada em espanhol, tem a participação de Marcinha nos vocais, e é uma boa descansada para o ato final, "A Outra Face", que para este blogueiro é a melhor do disco. Um andamento quase hard, num Hammond grudado de Manito, bateria bem quebrada e baixo pulsante. Pedrinho grita tudo que pode e mais um pouco. De tirar o fôlego.
Após "Snegs", Manito foi para os Mutantes, e a banda teve sua formação alterada diversas vezes, lançando mais alguns bons álbuns, mas nada que superasse este discaço. Atualmente, mesmo com a morte de Pedrinho, a banda se reuniu para algumas apresentações e pretende lançar canções inéditas. "É preciso olhar pro infinito."
1. Sinal da Paranóia
2. Bicho do Mato
3. O Som Nosso de Cada Dia
4. Snegs de Biufrais
5. Massavilha
6. Dirección de Aquarius
7. A Outra Face
8. O Guarani*
*Esta é uma Faixa Bônus, readaptação da obra de Carlos Gomes, gravada em 1993 para o lançamento de "Snegs" em formato CD. Infelizmente, o som do teclado de Manito deixou a desejar, mas é uma interessante releitura.
Um comentário:
Adouuuuuuuuurei o post. Que delicia. Eu nao conheço o som...ainda! bj
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