segunda-feira, 6 de setembro de 2010

ZERO 7 - O melhor do "trip hop"?

Quando se fala em "trip hop", "downtempo", "lo-fi music" (ou outras classificações para músicas mais desaceleradas com elementos eletrônicos) sempre se pensa de imediato em bandas como Portishead, Massive Attack, AIR... Entretanto, uma dupla de multi-instrumentistas britânicos tem se destacado no cenário eletrônico com um trabalho diferenciado, suave e extremamente dinâmico: o Zero 7.





Após formarem-se como engenheiros de som e trabalharem em gravações de diversos artistas, Henry Binns e Sam Hardaker conseguiram através de um colega a possibilidade de remixar uma canção do Radiohead, "Climbing Up the Walls". O trabalho foi tão bem aceito que chamou a atenção de alguns produtores e outros artistas.

Já com uma boa moral, a dupla resolveu trabalhar em seu próprio álbum, lançando em 2001 o sensacional "Simple Things". Mas o grande disco dos caras estava por vir mesmo em 2006: "The Garden", sendo o 4º lançamento do grupo.

Após a utilização de diversos músicos em cada gravação (menções honrosas para as vocalistas Tina Dico e Sophie Barker), em "The Garden" Henry e Sam resolveram utilizar um time mais enxuto, contando com a maravilhosa Sia Furler e José Gonzales nos vocais, além de outros instrumentistas de altíssimo gabarito.

O belíssimo resultado já começa a ser percebido na faixa de abertura ,"Futures" uma aventura espacial embalada por uma bela melodia no piano e bons arranjos de cordas. O baixo marca presença com um som redondo, dando espaço para uma leve bateria e detalhes do teclado.

Logo em seguida, a melhor canção do disco rompe os alto falantes. "Throw it All Away" é guiada pelo uso do teclado Rhodes, com uma bateria certeira, reta, mas delicada. O destaque absoluto, não só da canção, mas de todo o álbum (e talvez da carreira do Zero 7) é a vocalista Sia Furler: extremamente carismática e bem-humorada, possui uma voz marcante, expressiva. Além de tudo, sua letras são doces, porém firmes. Nada de chororôs de pessoas solitárias e abandonadas.

É o que se pode conferir pelo restante do álbum, em faixas como a sexy "You're My Flame" e acordeônica "The Pageant of The Bizzare", em que a loirinha australiana rouba a cena, apesar do bom trabalho instrumental do grupo.

Aliás, falando de instrumental, "Seeing Things" é a prova viva de qua a música eletrônica pode ser elaborada, técnica e até mesmo virtuosa. Para quem acha que o estilo está condenado às fanfarronices tocadas nas boates da vida, pode começar a rever seus conceitos.

Já José Gonzales aparece também muito bem em passagens mais introspectivas do álbum. "Left Behind" possui somente um violão e avoz "chuvosa" do sueco. Destaque para "Your Place", em que sua suavidade mostra as caras na introdução, induzindo porém a canção para uma passagem ousada, com utilização do naipe de metais.

A produção do álbum é de altíssimo nível, requintada, agradando os ouvidos dos mais exigentes. A bateria é utilizada de maneira intrigante, com pratos bem agudos, no melhor estilo jazzístico, mas uma caixa marcante, fazendo a marcação necessária para o trip hop. A sonoridade dos teclados embasbaca. A multiplicidades dos efeitos não descaracteriza o som vívido dos Rhodes, tornando a audição confortável e prazerosa.

"Crosses", penúltima faixa do disco, é a maior demonstração da produção polida, com diversas inclusões de instrumentos e uma percussão simplesmente empolgante. O disco se encerra com "Waiting to Die" e seu ar infantil (novamente Sia mata a pau), dando um final irônico mas não menos positivo para o disco. As faixas terminam, mas não a certeza de que "The Garden" é um dos melhores trabalhos do grupo, e talvez do trip hop. O adjetivo que classifica o som do Zero 7 e o separa das demais bandas é um só: ORGÂNICO. Tenha a certeza de estar ouvindo um trabalho vivo, com instrumentos de verdade e bem tocados, tudo embalado no já hoje pouquíssimo antipático rótulo da música eletrônica.



1. Futures

2. Throw it All Away

3. Seeing Things

4. The pageant of Bizarre

5. You're My Flame

6. Left Behind

7. Today

8. This Fine Social Scene

9. Your Place

10. If I Can't have You

11. Crosses

12. Waiting to Die

domingo, 13 de junho de 2010

WOODSTOCK BRAZIL - Será que vale a pena?

Não é de hoje que surgem boatos sobre a realização de um novo festival intitulado “Woodstock”. Também não é a primeira vez que ouvimos dizer que o maior festival de rock de todos os tempos seria realizado dessa vez, não surpreendentemente, aqui no Brasil.

De fato o Brasil é um país com adeptos de todos os gêneros do rock n’ roll, já foi holofote para o mundo nas edições anteriores do Rock In Rio, e possui uma riqueza natural invejável, tornando-se no lugar perfeito para sediar tal evento.

Entretanto, o que me preocupa não é o lugar, mas sim os moldes desse suposto “Woodstock Brazil”...


Bom, todo mundo sabe o quanto a primeira edição, realizada em 1969, foi essencial não só para o mundo da música, mas para a humanidade. O festival foi o retrato de toda uma geração: jovens que sofriam com os reflexos de uma sociedade baseada na guerra, no ódio, na violência, na política questionável. A família tinha aspectos de uma hierarquia militarizada. A consciência social foi amparada em Woodstock, juntamente com uma consciência ambiental. Nada do atual “politicamente correto” de hoje, mas sim uma postura de respeito à natureza, sem negar a essência do ser humano, sem negar, sejamos claros, a busca pelo prazer.

O trinômio “sexo, drogas e rock n’ roll”, naquela época, tinha sim uma conotação e propósitos diferentes. Havia a liberdade sexual em jogo, ainda em tempos em que se separava o sexo de ganhos capitalistas, e o bombardeamento de nossas crianças com produtos (de entretenimento ou não) baseados na exploração da sexualidade.

Quanto às drogas, não faço apologia a seu uso, que fique bem claro. Mas naquela época o consumo e principalmente os entorpecentes em si, eram extremamente diferentes. Em uma possível nova edição do festival, teremos invariavelmente um consumo alto de drogas pesadíssimas, como a cocaína. Quem tem um mínimo conhecimento de seus efeitos, sabe que “paz & amor” nada tem a ver com os efeitos causados pela substancia. O uso de LSD no fim dos anos 60 representava uma expansão dos horizontes, criando uma nova forma de pensar, e consequentemente fugir do regime adotado em décadas anteriores. Não há como negar: o uso de drogas hoje incitará o público à pancadaria, algo semelhante com o que aconteceu em 99, na última edição do Woodstock.

Já em relação à música, nem há o que comparar. Para um festival que teve Santana, Joan Baez, Mountain, Grateful Dead, Canned Heat, Creedence Clearwater Revival, Janis Joplin, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Ten Years After, os irmãos Winter e um inpirado/chapado Hendrix, as possíveis atrações do “Woodstock Brazil” soam ora pobres demais, ora como verdadeiros insultos.

Senão vejamos:

LINKIN PARK: Apesar de ser de péssimo gosto, seu primeiro álbum, “Hybrid Theory”, conseguiu aplicar uma roupagem mais acessível ao chamado “new metal”, e apresentou ao mundo um bom vocalista, Chester Bennignton. Vendeu horrores. “In the End” tocava até quando se ligava uma torradeira na tomada. Entretanto, após o 2º álbum a febre já tinha passado, demonstrando toda a mediocridade da banda. Atualmente fazem uma espécie de plágio do U2, besuntado na manteiga.



GREEN DAY: Alguém um dia cismou que a banda era boa. Alguém vendeu essa idéia. Alguém comprou.
Formada por 3 músicos extremamente limitados, o grupo ficou famoso na década de 90 com um punk rock escolar despretensioso. Até aí tudo bem. O problema mesmo foi quando tiveram a idéia de lançar um “álbum conceitual” (que Rick Wakeman os perdoe por usar tal expressão em vão), que variavam alguma letras menos estúpidas com músicas repetitivas, de no máximo 5 acordes. A MTV forçou a barra e os levou ao status de gênios. Farão um show de pouca qualidade, e devem protagonizar outra atuação lamentável, como no Woodstock 99, em que o pessoal jogava lama no palco. Se não fazem o público pensar, não podem cobrar atitudes inteligentes.


SMASHING PUMPKINS: Outra banda superestimada pela mídia. Apesar de bem mais cerebrado, o grupo comandado por Billy Corgan já teve dias melhores. Infelizmente a qualidade musical nunca foi seu ponto forte, e o visual estranhíssimo é o que chama mais a atenção. Há uma mulher na banda (péssima baixista por sinal) para dizerem que são diferentes. Talvez valha a pena pelos clássicos. Em tempos difíceis, uma escolha não muito ruim por parte da organização.



LIMP BIZKIT: Um espectro de si mesmo. Apesar de bons álbuns lançados na década de 90 e começo dos anos 2000, a banda recém reunida não tem mais nada a acrescentar. Algumas canções novas já estão na internet, e são verdadeiros plágios dos discos anteriores. Fred Durst já não é o mesmo ao vivo. Farão um show agressivo, totalmente distante da proposta do festival. Momento de alguns marginais derrubarem as barracas, ou coisa bem pior.

RAGE AGAINST THE MACHINE: A ótima banda americana seria uma boa para qualquer festival, menos para o Woodstock. É certo que também não têm nada novo para apresentar, mas os clássicos valeriam a pena. O problema é, novamente, a agressividade do som, a associação à revolta, rebelião, violência. “Paz & Amor” que nada, o negócio é “Killing in the Name”...


INCUBUS: A banda mais sem sal dos anos 2000. Sua escalação mostra mesmo qual o objetivo do festival: ganhar dinheiro, levando o pessoal de uma geração que não pôde ver os shows na época em que as bandas estavam no auge. Essa geração, que antes era formada por adolescentes que assistiam MTv, hoje possui médicos, engenheiros, advogados e dentistas, todos recém-formados. Já possuem grana para pagar um absurdo nos ingressos, mas ainda têm disposição e disponibilidade para acampar, farrear. Poucos têm família constituída, altas despesas, e compromissos 365 dias ao ano.



NOTAS POSITIVAS: As possíveis escalações de BOB DYLAN, FOO FIGHTERS e PEARL JAM podem fazer a diferença. Dylan dispensa comentários (apesar da produção estar se valendo do “hype” que ele teve na mídia, por conta de artistas chinfrins como Mallu Magalhães), e as outras duas bandas têm suas qualidades, podendo fazer shows memoráveis.

Enfim, “Woodstock Brazil” será duvidoso. Provavelmente com ingressos caros, sem consciência ambiental e sustentabilidade. Não pregará paz, e em certos momentos incitará a violência. È, de fato a chance de se ver algumas bandas. É a chance de acampar e conhecer pessoas, interessantes ou não. É a chance dos organizadores ganharem uma grana. Na balança, não acho que valha a pena. Quanto à utilização do nome “Woodstock”, acho uma piada de mau gosto, um verdadeiro desrespeito com a memória do rock, da música, da sociedade.

E você, o que acha?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

SKIN ALLEY - Além do Jazz-Rock

Há certos sons inesperados que nos contagiam de uma forma inevitável. As melhores canções, os melhores grupos, os melhores álbuns aparecem por acaso, quando não se está procurando. Dizem que o amor é assim, aparece do nada. Sobre isso, não posso opinar. Mas quando aqueles acordes retumbam em meu cérebro, causando aquela sensação de "era isso que eu sempre quis escutar", não só posso como devo expressar minha opinião.

Procurando e remexendo em algumas velharias do fim dos anos 60 fui apresentado a essa banda que, como paixão à primeira vista, me fez perder a cabeça e trair antigos amores: Skin Alley. Esse conjunto desconhecidíssimo faz a cabeça de qualquer amante de jazz, de rock, de progressivo, de literatura, de cinema, de oxigênio...



Formado em 1969, o Skin Alley contava com músicos americanos e britânicos, fato que, por si só, já marcaria a identidade sonora do conjunto. Em 1970 lançam seu debut auto-intitulado, que conta com a excelente "All Alone" o seu maior sucesso comercial (sim, chegou a tocar nas rádios) "Living in Sin".
Em 1970 lançam o disco aqui resenhado, "To Pagham and Beyond", uma obra mais completa, mais ousada, e menos estruturada que o primeiro álbum.

"Big Brother is Watching You" abre o disco e a cabeça de quem a escuta. Para mim, a melhor do álbum e da carreira dos caras. A referência Orwelliana é densa, explícita e até certo ponto sufocante. O Grande Irmão não está presente somente nas letras, mas também no baixo hipnótico e observador de Nick Graham, que também gravou bela melodia do vocal e a gaita na faixa. O arranjo truncado e cinza nos remete visualmente a "Fahrenheit", obra cinematográfica de François Truffaut. Há espaço para todos os intrumentos darem sua deixa, com direito inclusive a barulhos de sirene, insinuando uma perseguição digna de um governo totalitário. Sinceramente, uma canção inesquecível e avassaladora.

A segunda faixa do disco segue direção diversa, enviando o ouvinte diretamente a uma selva, longe da urbanidade opressora. "Take me to Your Leader's Daughter" é uma canção que esbanja esperança, com tons romanceados. Há espaço para uma influência árabe, tornando-a a parte mais rica musicalmente de toda a gravação. A flauta de Bob James guia toda a digressão que se opera em seus 8 minutos. Aliás, o trabalho desse artista merece ser reconhecido, já que além da flauta, comanda todos os saxofones e guitarras do disco!

Mas se você acha que a variedade se esgotaria em apenas duas músicas, engano seu. A regravação do clássico de Graham Bond, "Walking in the Park", é cisuda e encorpada. O saxofone dá mais a tona do que em outras versões. Na verdade é até um pouco engraçado ouvir um R&B tocado de maneira tão sofisticada. Krzysztof Henryk Juskiewicz é o responsável pelos teclados (e também pelos trompetes) e exibe toda sua técnica e versatilidade não somente nessa faixa, mas também em "Queen of Bad Intentions", uma canção mais voltada para o progressivo, com quebras de tempos e intermináveis variações rítmicas.

Mas ritmo mesmo é o que não existe na abertura de "Sweaty Betty". Uma completa insanidade, guiada pelas bateras de Alvin Pope e Tony Knight. Uma maçaroca jazzística alcança os altos falantes, com a bela companhia do vocal de Bob James, já num ritmo mais estruturado. O disco se encerra com "Easy To Lie", que tende para uma linha mais intimista, dialogando inclusive com a música religiosa americana dos anos 60, com direito a estalares de dedos e tudo o mais. Alguns compassos soam mais animadas, como se a oração surtisse efeito em certos momentos.

Vale nota ainda a produção do disco, muito bem realizada, com efeitos interessantes para a época, como fade-in de alguns insrtumentos durante passagens mais truncadas e alterações dinâmicas no efeito estéreo. A sonoridade é característica dos anos 60, tendendo mais para a roupagem européia. Detalhe interessante é que o engenheiro de som é, ninguém mais niguém menos, que Martin Birch, que viria a se tornar o lendário produtor do Iron Maiden.

Enfim, "To Pagham and Beyond" é um disco essencial para quem gosta de música trabalhada, complexa, mas ainda acessível, sem os excessos do krautrock por exemplo.

Paixão à primeira vista? Pode ser que sim, mas pode ser que não, pois dizem que esse sentimento é passageiro. Com o Skin Alley, prepare-se para diversas viagens no tempo, no espaço e na cultura ocidental através de inúmeras audições. É impossível ouvir uma vez só.


1. Big Brother Is Watching You

2. Take Me to Your Leader's Daughter

3. Walking in the Park

4. Queen of Bad Intentions

5. Sweaty Betty

6. Easy to Lie

Link para o álbum