Há certos sons inesperados que nos contagiam de uma forma inevitável. As melhores canções, os melhores grupos, os melhores álbuns aparecem por acaso, quando não se está procurando. Dizem que o amor é assim, aparece do nada. Sobre isso, não posso opinar. Mas quando aqueles acordes retumbam em meu cérebro, causando aquela sensação de "era isso que eu sempre quis escutar", não só posso como devo expressar minha opinião.
Procurando e remexendo em algumas velharias do fim dos anos 60 fui apresentado a essa banda que, como paixão à primeira vista, me fez perder a cabeça e trair antigos amores: Skin Alley. Esse conjunto desconhecidíssimo faz a cabeça de qualquer amante de jazz, de rock, de progressivo, de literatura, de cinema, de oxigênio...

Formado em 1969, o Skin Alley contava com músicos americanos e britânicos, fato que, por si só, já marcaria a identidade sonora do conjunto. Em 1970 lançam seu debut auto-intitulado, que conta com a excelente "All Alone" o seu maior sucesso comercial (sim, chegou a tocar nas rádios) "Living in Sin".
Em 1970 lançam o disco aqui resenhado, "To Pagham and Beyond", uma obra mais completa, mais ousada, e menos estruturada que o primeiro álbum.
"Big Brother is Watching You" abre o disco e a cabeça de quem a escuta. Para mim, a melhor do álbum e da carreira dos caras. A referência Orwelliana é densa, explícita e até certo ponto sufocante. O Grande Irmão não está presente somente nas letras, mas também no baixo hipnótico e observador de Nick Graham, que também gravou bela melodia do vocal e a gaita na faixa. O arranjo truncado e cinza nos remete visualmente a "Fahrenheit", obra cinematográfica de François Truffaut. Há espaço para todos os intrumentos darem sua deixa, com direito inclusive a barulhos de sirene, insinuando uma perseguição digna de um governo totalitário. Sinceramente, uma canção inesquecível e avassaladora.
A segunda faixa do disco segue direção diversa, enviando o ouvinte diretamente a uma selva, longe da urbanidade opressora. "Take me to Your Leader's Daughter" é uma canção que esbanja esperança, com tons romanceados. Há espaço para uma influência árabe, tornando-a a parte mais rica musicalmente de toda a gravação. A flauta de Bob James guia toda a digressão que se opera em seus 8 minutos. Aliás, o trabalho desse artista merece ser reconhecido, já que além da flauta, comanda todos os saxofones e guitarras do disco!
Mas se você acha que a variedade se esgotaria em apenas duas músicas, engano seu. A regravação do clássico de Graham Bond, "Walking in the Park", é cisuda e encorpada. O saxofone dá mais a tona do que em outras versões. Na verdade é até um pouco engraçado ouvir um R&B tocado de maneira tão sofisticada. Krzysztof Henryk Juskiewicz é o responsável pelos teclados (e também pelos trompetes) e exibe toda sua técnica e versatilidade não somente nessa faixa, mas também em "Queen of Bad Intentions", uma canção mais voltada para o progressivo, com quebras de tempos e intermináveis variações rítmicas.
Mas ritmo mesmo é o que não existe na abertura de "Sweaty Betty". Uma completa insanidade, guiada pelas bateras de Alvin Pope e Tony Knight. Uma maçaroca jazzística alcança os altos falantes, com a bela companhia do vocal de Bob James, já num ritmo mais estruturado. O disco se encerra com "Easy To Lie", que tende para uma linha mais intimista, dialogando inclusive com a música religiosa americana dos anos 60, com direito a estalares de dedos e tudo o mais. Alguns compassos soam mais animadas, como se a oração surtisse efeito em certos momentos.
Vale nota ainda a produção do disco, muito bem realizada, com efeitos interessantes para a época, como fade-in de alguns insrtumentos durante passagens mais truncadas e alterações dinâmicas no efeito estéreo. A sonoridade é característica dos anos 60, tendendo mais para a roupagem européia. Detalhe interessante é que o engenheiro de som é, ninguém mais niguém menos, que Martin Birch, que viria a se tornar o lendário produtor do Iron Maiden.
Enfim, "To Pagham and Beyond" é um disco essencial para quem gosta de música trabalhada, complexa, mas ainda acessível, sem os excessos do krautrock por exemplo.
Paixão à primeira vista? Pode ser que sim, mas pode ser que não, pois dizem que esse sentimento é passageiro. Com o Skin Alley, prepare-se para diversas viagens no tempo, no espaço e na cultura ocidental através de inúmeras audições. É impossível ouvir uma vez só.

1. Big Brother Is Watching You
2. Take Me to Your Leader's Daughter
3. Walking in the Park
4. Queen of Bad Intentions
5. Sweaty Betty
6. Easy to Lie
Link para o álbum
Procurando e remexendo em algumas velharias do fim dos anos 60 fui apresentado a essa banda que, como paixão à primeira vista, me fez perder a cabeça e trair antigos amores: Skin Alley. Esse conjunto desconhecidíssimo faz a cabeça de qualquer amante de jazz, de rock, de progressivo, de literatura, de cinema, de oxigênio...

Formado em 1969, o Skin Alley contava com músicos americanos e britânicos, fato que, por si só, já marcaria a identidade sonora do conjunto. Em 1970 lançam seu debut auto-intitulado, que conta com a excelente "All Alone" o seu maior sucesso comercial (sim, chegou a tocar nas rádios) "Living in Sin".
Em 1970 lançam o disco aqui resenhado, "To Pagham and Beyond", uma obra mais completa, mais ousada, e menos estruturada que o primeiro álbum.
"Big Brother is Watching You" abre o disco e a cabeça de quem a escuta. Para mim, a melhor do álbum e da carreira dos caras. A referência Orwelliana é densa, explícita e até certo ponto sufocante. O Grande Irmão não está presente somente nas letras, mas também no baixo hipnótico e observador de Nick Graham, que também gravou bela melodia do vocal e a gaita na faixa. O arranjo truncado e cinza nos remete visualmente a "Fahrenheit", obra cinematográfica de François Truffaut. Há espaço para todos os intrumentos darem sua deixa, com direito inclusive a barulhos de sirene, insinuando uma perseguição digna de um governo totalitário. Sinceramente, uma canção inesquecível e avassaladora.
A segunda faixa do disco segue direção diversa, enviando o ouvinte diretamente a uma selva, longe da urbanidade opressora. "Take me to Your Leader's Daughter" é uma canção que esbanja esperança, com tons romanceados. Há espaço para uma influência árabe, tornando-a a parte mais rica musicalmente de toda a gravação. A flauta de Bob James guia toda a digressão que se opera em seus 8 minutos. Aliás, o trabalho desse artista merece ser reconhecido, já que além da flauta, comanda todos os saxofones e guitarras do disco!
Mas se você acha que a variedade se esgotaria em apenas duas músicas, engano seu. A regravação do clássico de Graham Bond, "Walking in the Park", é cisuda e encorpada. O saxofone dá mais a tona do que em outras versões. Na verdade é até um pouco engraçado ouvir um R&B tocado de maneira tão sofisticada. Krzysztof Henryk Juskiewicz é o responsável pelos teclados (e também pelos trompetes) e exibe toda sua técnica e versatilidade não somente nessa faixa, mas também em "Queen of Bad Intentions", uma canção mais voltada para o progressivo, com quebras de tempos e intermináveis variações rítmicas.
Mas ritmo mesmo é o que não existe na abertura de "Sweaty Betty". Uma completa insanidade, guiada pelas bateras de Alvin Pope e Tony Knight. Uma maçaroca jazzística alcança os altos falantes, com a bela companhia do vocal de Bob James, já num ritmo mais estruturado. O disco se encerra com "Easy To Lie", que tende para uma linha mais intimista, dialogando inclusive com a música religiosa americana dos anos 60, com direito a estalares de dedos e tudo o mais. Alguns compassos soam mais animadas, como se a oração surtisse efeito em certos momentos.
Vale nota ainda a produção do disco, muito bem realizada, com efeitos interessantes para a época, como fade-in de alguns insrtumentos durante passagens mais truncadas e alterações dinâmicas no efeito estéreo. A sonoridade é característica dos anos 60, tendendo mais para a roupagem européia. Detalhe interessante é que o engenheiro de som é, ninguém mais niguém menos, que Martin Birch, que viria a se tornar o lendário produtor do Iron Maiden.
Enfim, "To Pagham and Beyond" é um disco essencial para quem gosta de música trabalhada, complexa, mas ainda acessível, sem os excessos do krautrock por exemplo.
Paixão à primeira vista? Pode ser que sim, mas pode ser que não, pois dizem que esse sentimento é passageiro. Com o Skin Alley, prepare-se para diversas viagens no tempo, no espaço e na cultura ocidental através de inúmeras audições. É impossível ouvir uma vez só.

1. Big Brother Is Watching You
2. Take Me to Your Leader's Daughter
3. Walking in the Park
4. Queen of Bad Intentions
5. Sweaty Betty
6. Easy to Lie
Link para o álbum
Um comentário:
Que bom ver vc de volta!
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